A presença real do amado: uma força
"Ora, ‘real’ não significa uma pessoa [real, da realidade], mas aquilo que, dessa pessoa, desperta (...) uma força que faz com que eu seja o que eu sou e sem a qual eu não mais seria consistente. O real é simplesmente a vida no outro, a força de vida que anima e atravessa o seu corpo. É muito difícil distinguir nitidamente essa força que emana [do amado] (...) dessa outra força em mim (...). Muito difícil, na medida em que essas forças, na verdade, são uma mesma e única coluna energética, um eixo vital e impessoal que não pertence nem a um nem ao outro parceiro. Difícil também porque essa força única não tem nenhum símbolo nem representação que possa significá-la. (...) O real é irrepresentável, [é] a energia que garante (...) a consistência (...) do laço comum de amor [dos parceiros]."
A presença simbólica do amado: um ritmo
“... se o estatuto real [do amado] é ser uma força estranha que liga como uma ponte de energia os dois parceiros (...), o estatuto simbólico [do amado] é ser o ritmo dessa força. (...) O ritmo é, efetivamente, a mais primitiva expressão simbólica do desejo (...). A força de impulsão desejante é real porque é em si irrepresentável, mas as variações rítmicas dessa força são simbólicas, porque são, ao contrário, representáveis. (...) Se considero [o amado] insubstituível, é porque meu desejo se modelou progressivamente pelas sinuosidades do fluxo vibrante do seu próprio desejo. Ele é considerado insubstituível porque ninguém mais poderia acompanhar tão finamente o ritmo do meu desejo. (...) Como se as pulsações da sua sensibilidade dançassem na mesma cadência que as minhas próprias pulsações (...). Assim a cadência do seu desejo se harmoniza com a minha própria cadência, e cada uma das variações da sua tensão responde em eco a cada uma das minhas. Algumas vezes, o encontro é suave e progressivo; outras, violento e imediato. Entretanto (...) as satisfações resultantes continuam sendo para cada um dos parceiros satisfações sempre singulares, parciais e discordantes. Nossas trocas se afinam, mas nossas satisfações desafinam. Elas desafinam, porque são obtidas por ocasião de momentos diferentes e em intensidades desiguais [afinal, como seres humanos, são inevitavelmente pessoas diferentes e desiguais]”
Trechos de "O Livro da Dor e do Amor", de J.-D. Nasio ...